Novas plataformas de locação de bens imóveis e o debate da segurança condominial.
- VC Advogados
- 28 de mar. de 2019
- 5 min de leitura
Em todos os setores da economia pode-se constatar a modificação das relações cotidianas, mediante a implementação de novas plataformas e meios de interação. O avanço da tecnologia trouxe uma infinidade de possibilidades para que qualquer pessoa tenha meios de complementar sua renda.
No que se refere ao Direito Imobiliário, especificamente, podemos mencionar as locações de bens imóveis por curto período de tempo através da utilização de aplicativos, a exemplo do AirBnb.
Diante da conveniência e rapidez com que são construídas essas relações, as ditas locações são feitas sem as formalidades necessárias, tais como: (i) quem anuncia não é um corretor habilitado, (ii) inexistem as formalidades de contrato, garantias e análise de perfil do locatário, (iii) quem aluga não tem conhecimento do regulamento interno e convenção, e (iv) não há identificação do locatário com a comunidade condominial da qual o imóvel faz parte.
Tudo isso em razão da dinâmica proporcionada pelo processo de locação realizado por meio digital.
Diante desse contexto, é preciso lembrar que parte expressiva dos imóveis oferecidos neste modelo estão localizados em condomínios residenciais, o que origina debate sobre a segurança, o patrimônio e a harmonia entre os condôminos, cabendo ao síndico a responsabilidade de coibir situações de conflito.
Os casos concretos sobre essa questão possuem desdobramentos em múltiplos ramos do Direito, ascendendo, inclusive, discussão sobre como deveriam estes ser regulamentados. No caso de aluguel de apartamento por temporada, a doutrina majoritária entende que envolve as diretrizes e regras de locação.
Assim, a legislação especifica sobre o tema seria a Lei nº Lei 8.245/1991, a qual dispõe especificamente sobre duas situações em seu artigo 48: a locação típica por mais de 90 (noventa) dias, que geralmente é feita pelos contratos de 30 (trinta) meses, e a locação por temporada, de até 90 (noventa) dias.
O debate legal está no enquadramento ou não da atividade desenvolvida, através do aplicativo, no conceito de aluguel por temporada da lei supracitada. Ainda, há entendimentos que defendem que se configuração situação além das descritas, devendo ser regulada pelo Código Civil.
Fato é que os argumentos para ambos os lados são congruentes. Os proprietários dos imóveis utilizam como suas principais fontes de direito as seguintes alegações:
O direito de propriedade previsto na Constituição Federal,
A disposição expressa da possibilidade de locação para temporada existente na Lei de Locação (Lei n° 8.245/91),
Inexistência de restrição na Convenção de Condomínio ou mesmo no Regulamento Interno,
A ausência de prejudicialidade à finalidade residencial do condomínio, e
5) A ausência de previsão legal para proibição do condomínio.
Ocorre que os condomínios defendem que a hospedagem por prazos curtos não obedece a finalidade dos condomínios residenciais, além de seriam necessárias adaptações nos prédios para respeito às normas especiais de hotelaria, sendo submetidos à Lei nº 11.771/2008, que regula a Política Nacional de Turismo.
Diante desse contexto, é frequente a busca pelo Judiciário para poder dirimir os interesses dos envolvidos. Existem posicionamentos determinando que os condomínios podem exigir que os condôminos só usem suas unidades para fins residenciais, se isso é o que consta da convenção, uma vez que o seu desrespeito representa infração não só ao regulamento interno, como ao Código Civil. Nesse sentido, é reconhecido o desvio de escopo do prédio, lesando a segurança e direito de vizinhança.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo se manifestou no sentido de que a finalidade residencial do condomínio deve ser respeitada:
"Agravo de instrumento. Ação visando a anulação de deliberação condominial. Utilização do apartamento como hospedagem, por meio da plataforma eletrônica “Air BNB”. Impossibilidade. Edifício de caráter residencial. Liminar revogada. Recurso provido.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2133212-93.2017.8.26.0000; Relator (a): Pedro Baccarat; Órgão Julgador: 36ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional II – Santo Amaro – 14ª Vara Cível; Data do Julgamento: 27/09/2017; Data de Registro: 27/09/2017)
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Interposição contra decisão que deferiu a tutela de urgência com determinação à ré a abstenção de locar ou ceder o imóvel com finalidade característica de hotelaria ou hospedaria, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00. Possibilidade de se determinar a antecipação dos efeitos da tutela determinada, diante da presença de elementos que evidenciam a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo, nos termos do artigo 294 e 300 do Código de Processo Civil de 2015. Observação com relação ao teto da incidência da multa (astreintes) em caso de eventual descumprimento da decisão. Decisão mantida, com observação.
(TJSP; Agravo de Instrumento 2047686-61.2017.8.26.0000; Relator (a): Mario A. Silveira; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro de Rio Claro – 2ª. Vara Cível; Data do Julgamento: 29/05/2017; Data de Registro: 08/06/2017)
No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, em recente decisão, defende que entre os direitos do proprietário, está o direito de usufruir o bem, inclusive locando a terceiros, por temporada, não podendo tal direito ser limitado pela Convenção nem pelo Regimento Interno do Condomínio, sob pena de indevida interferência e restrição no direito exclusivo de propriedade do condômino sobre a sua unidade residencial. Veja-se:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER. CONDOMÍNIO. LOCAÇÃO POR TEMPORADA. DECISÃO QUE DEFERIU A TUTELA DE URGÊNCIA PARA DETERMINAR QUE A RÉ SE ABSTIVESSE DE LOCAR SEU IMÓVEL. INCONFORMISMO DA PARTE RÉ. POSSIBILIDADE. PROVIMENTO AO RECURSO. Cuida-se, na origem, de ação em que o agravado alega que a parte ré, ora agravante, estaria exercendo atividade de hotelaria dentro do condomínio, sendo que o regimento interno proibiria o uso da unidade residencial para fins comerciais. A locação por temporada encontra previsão legal no artigo 48 da Lei n.º 8.245/1991 e é aquela contratada por prazo não superior a 90 dias. Entre os direitos do proprietário, está o direito de usufruir o bem, inclusive locando a terceiros, por temporada, não podendo tal direito ser limitado pela Convenção nem pelo Regimento Interno do Condomínio, sob pena de indevida interferência e restrição no direito exclusivo de propriedade do condômino sobre a sua unidade residencial. Dentre as prerrogativas dos titulares do domínio, insere-se a de locar, ou mesmo dar em comodato, bem imóvel. Repise-se, é vedada a locação comercial do imóvel em questão, mas não a locação por temporada, até porque, analisa-se a destinação do imóvel pelo fim que lhe é dado, que, no caso, é a moradia de turistas que visitam a cidade. Ademais, a parte agravada não comprovou o uso indevido do imóvel, não havendo especificação de condutas indevidas pelos locatários, tampouco qualquer situação inóspita criada no condomínio em função da locação do imóvel, ao contrário do alegado em contrarrazões. Com efeito, entendo que a decisão agravada merece reforma para permitir que a agravante possa locar a sua unidade. RECURSO A QUE SE DÁ PROVIMENTO" (Processo nº 0066845-19.2017.8.19.0000 - AGRAVO DE INSTRUMENTO – Relator Desembargador ANDRE EMILIO RIBEIRO VON MELENTOVYTCH - Julgamento: 27/03/2018 - VIGÉSIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL)
O potencial econômico do setor de tecnologia aliado às iniciativas instiga iniciativas regulatórias e, consequentemente, posicionamentos jurisdicionais.
Fato é que a discussão ainda é recente e foi pouco debatida em nossos Tribunais. As situações jurídicas contemporâneas, como a locação de curtíssimo prazo via aplicativo, vai demandar ainda discussão sobre seus contornos teóricos e práticos, de modo que possam ser resolvidos ou reduzidos os conflitos.
Diogo Carvalho
VC Advogados
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