Entrevista com o sócio Alan Melo para revista
- VC Advogados
- 9 de out. de 2019
- 6 min de leitura
O sócio do VC Advogados, Alan Melo, concedeu entrevista à Revista Síndico sobre como os condomínios lidam com o home office e legislações que regem essa modalidade. Confira a matéria abaixo.
Não é de hoje que sabemos que a situação do desemprego no Brasil é alarmante. Segundo os últimos dados divulgados em junho deste ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ao todo, são 13 milhões de pessoas desempregadas. Além do desemprego, um outro número também chama a atenção: a taxa de subutilização da força de trabalho subiu para 25% ante 24,6% no trimestre anterior, se situando em patamar recorde. Em outras palavras, o número significa que um em cada quatro brasileiros em condições de trabalhar está desempregado, trabalhando menos horas do que gostaria ou simplesmente desistiu de procurar emprego. Esta nova configuração da economia brasileira também vem se refletindo em um novo aspecto no dia a dia dos condomínios: o crescimento do home office. É fato que o desemprego estimulou o trabalho informal nos últimos anos. Com isso, muitos profissionais que antes trabalhavam em empresas, aderiram ao mercado da informalidade. Segundo dados também divulgados pelo IBGE em janeiro deste ano, o número de trabalhadores sem carteira assinada bateu um recorde na história do país: mais de 25% dos trabalhadores brasileiros não tinham registro formal em 2018. A pesquisa mostrou que, em quatro anos, o país perdeu 3,7 milhões de postos de trabalho com carteira assinada. Diante dessa nova configuração do mercado de trabalho, é normal que as pessoas estejam se adaptando ou buscando novas soluções e uma delas é trabalhar em casa. E esse movimento é visível. A síndica Adriana Malta, que administra o Condomínio João Ernesto, localizado em Ipanema, viu de perto esse número de casos crescer. O condomínio que ela administra possui, ao todo, 180 unidades, divididas em três blocos, sendo dois deles residenciais e um misto. Ela conta que, notou visivelmente o crescimento dos home offices ao longo do último ano. No entanto, afirma que nunca houve nenhum conflito entre os moradores por esse motivo. “Todos se respeitam bastante e por se tratar de um condomínio misto, entendem a questão das reuniões e visitas”, explica. A gestora diz ainda que as visitas nem são o principal problema em se tratando de conflitos que possam surgir nesse contexto. Pelo contrário. Ela notou uma diminuição no fluxo de pessoas estranhas acessando o prédio. “Com o computador, as pessoas conseguem trabalhar de qualquer lugar do mundo. A necessidade de um espaço é mais para prestar algum atendimento, fazer reuniões, porém, isso tem sido substituído por Skype e outros meios, até pelo custo. Apesar do preço do aluguel ter caído bastante no Rio de Janeiro, com a situação que estamos vivendo, a maioria das pessoas não consegue manter os dois aluguéis: o residencial e a sala comercial. Muitas delas optaram por trabalhar em casa e entregar o imóvel que servia de escritório. O meu programador, por exemplo, não tem mais escritório físico, ele atende no próprio imóvel onde reside. Até mesmo a gráfica que me atende não tem mais loja física, assim como vários outros fornecedores”, conta ela, que também possui seu escritório profissional no condomínio.
Adriana relata ainda que, no bloco residencial, não é permitido que os moradores exerçam atividades profissionais. Não que isso esteja determinado na Convenção do condomínio, mas é uma espécie de acordo baseado no bom senso e exercido pelos moradores. “Nunca tivemos nenhum caso de morador em esquema de home office na unidade residencial, sendo escritório. Mas acredito que mesmo que tivesse, o que deve prevalecer é o respeito às outras unidades e às normas de segurança”. Acompanhando esse movimento, a jornalista Érica Avelar trabalha há dois anos e meio em esquema home office. Ela não costuma receber visitas de clientes em casa e procura sempre respeitar as regras do condomínio. “Sempre prefiro marcar as reuniões em cafés ou em outros espaços. Quando recebo em casa são clientes com os quais já estou acostumada a trabalhar, pessoas que conheço bem e que confio. Nunca recebo pessoas que não conheço”, conta ela, que até hoje não recebeu reclamações do síndico ou de vizinhos no condomínio em que mora, no Flamengo. Para ela, a regra é clara: não fazer o que não gostaria que fizessem no seu condomínio. “Com certeza é necessário seguir as regras. Barulho fora de hora, exagero de movimento de estranhos no prédio… São coisas que eu não gostaria que meu vizinho fizesse, logo, também não posso me sentir no direito de fazer”, diz a profissional. Sobre o incômodo que essa nova realidade pode provocar entre vizinhos, tais como reclamações de barulho, circulação de pessoas estranhas no condomínio, aumento do fluxo de visitantes, etc, o Departamento Jurídico do Secovi-Rio, o Sindicato da Habitação, esclarece que há algumas regras, sim, conforme a Lei Municipal n 2062/1993, que dispõe sobre a autorização para que microempresas e empresas de pequeno porte funcionem em residências. De acordo com um trecho do artigo 1 da lei, “as microempresas e as empresas de pequeno porte podem estabelecer-se e funcionarem na residência de seus titulares, desde que não ocupem partes comuns ou unidades de edificações multifamiliares de uso exclusivamente residencial, sem a autorização, com unanimidade, do condomínio”. A mesma lei permite o uso profissional de residências por profissionais liberais. No entanto, o morador pode ser impedido de exercer a sua profissão caso a atividade venha a contrariar de alguma forma as normas de higiene, saúde, segurança, trânsito, e outras de ordem pública, ou ainda infringir disposições relativas ao controle da poluição, causar incômodos à vizinhança ou algum tipo de dano ou prejuízo ao meio ambiente. A lei também versa sobre atendimento profissional nas residências. O texto diz: “o funcionamento de atividades em unidades multifamiliares será restrito, sendo vedado o atendimento no local, o estoque de mercadorias, e a colocação de Publicidade”. Ou seja, fica claro que, quanto às atividades que necessitam de espaço para armazenamento de itens, não pode, só se todo o condomínio autorizar.
O que é proibido pela lei
O artigo 2 da lei de 1993 estabelece que, certas atividades estão excluídas da permissão de funcionamento nos condomínios. Algumas por motivos óbvios, tais como instituições de ensino, clínicas médicas, comércio de produtos químicos ou combustíveis, bancos de sangue ou laboratórios de análises clínicas, comércio de armas e munições, casas de festas, e alguns tipos de indústrias. Caso alguma
unidade venha a exercer estes tipos de atividades, o síndico pode denunciar o condômino e com base em sua Convenção, aplicar as penalidades cabíveis. O advogado Alan Melo, membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (Ibradim), diz que, caso algum morador chegue a romper as regras de boa convivência por algum dos motivos citados, o ideal é conversar e tentar resolver de forma harmônica à primeira vista. “De início, o que o síndico deve fazer é tentar solucionar a questão da forma menos traumática. É importante mostrar ao condômino a necessidade de cumprir determinadas regras até mesmo pela segurança dele. Em caso de resistência, o síndico deve se utilizar de todos os mecanismos de coerção previstos na convenção e na legislação, como por exemplo notificações, multas, e, em último caso, medidas judiciais”, diz. Para o profissional, o que deve prevalecer nesses casos é sempre o bom senso. Se o fluxo de clientes não for tão elevado a ponto de gerar incômodo aos demais condôminos ou até mesmo a ponto de afetar a segurança do condomínio, não deve haver impedimento a tais visitas. “As leis municipais de zoneamento urbano costumam delimitar zonas da cidade em que determinadas atividades são permitidas ou proibidas, mas sempre de forma geral. As convenções condominiais acabam sendo a grande fonte legislativa a ser seguida, prevendo regras específicas para regular o exercício de atividades de pequeno porte pelos condôminos”, completa o advogado. Por fim, ele ainda deixa uma dica aos profissionais autônomos, categoria na qual, fatalmente, muitos síndicos também se encaixam. “Nesse momento é extremamente importante agir com transparência. É necessário informar ao síndico de que exerce sua atividade no estilo home office e que, eventualmente, pode receber a visita de algum cliente ou fornecedor em sua unidade”. E quem trabalha em casa eventualmente?
E quando falamos de home office, é preciso lembrar que esse tipo de modalidade de trabalho vem crescendo em todas as empresas. Não necessariamente o condômino precisa ser autônomo para fazer o seu home office. Um estudo encomendado em 2016 pelo IBGE e intitulado “Pesquisa Home Office Brasil 2016 – Teletrabalho e Home Office” mostrou que 68% das empresas brasileiras praticam de alguma forma o home office no seu quadro de funcionários. A crise econômica também impulsionou esta modalidade. No último mês, por exemplo, a Caixa Econômica Federal anunciou, publicamente, que alguns de seus funcionários trabalhariam 100% em esquema home office. O mesmo movimento ocorre em outros bancos, tais como o Bradesco e o Itaú. É o futuro chegando e os síndicos também precisam se adaptar às novas configurações dos condomínios.

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